A longa caminhada para a
porta estreita da qual nos fala Jesus...
Estela da Porteira
1850, em uma fazenda de Alagoas, lá estava Estela.
Mais uma vez na porteira, toda despenteada, gritando por seus filhos.
Estela era considerada, na região, como “a Louca”.
Aquele religioso ao passar na porteira,
era o único que conseguia dela se aproximar e a acalmar.
Retirava da algibeira de sua batina pomada e pão.
Limpava os pés de Estela, retirava-lhe os espinhos, e dava-lhe o que comer.
Era uma irmã para ele. Uma irmã desequilibrada, era possuída.
Estela ficava horas gritando por seus filhos,
que ela achava que lhe haviam roubado.
Ela não era uma negra feia,
mas com o sofrimento se tornava difícil ver qualquer traço de beleza naquele corpo.
Não era fácil dela se aproximar por causa do mau cheiro.
O único era aquele religioso.
Naquela região havida se dado a libertação dos escravos,
que andavam de uma fazenda para a outra, como agregados.
Neste período já não existia a figura do feitor,
que era do tempo de Estela.
Muitas pessoas deixaram as regiões dos sertões,
indo para o litoral, onde estavam plantando cacau,
porque dava mais dinheiro, e a cana já não dava retorno em termos financeiros
e estava havendo uma transformação no país.
Um dia, aos pés da porteira, durante uma tempestade,
Estela desencarnou.
Um raio lhe atingiu o corpo.
Não houve testemunhas, a não ser os pássaros que voavam e
os espíritos que ajudaram no seu recolhimento.
Por mais desequilibrada que seja a pessoa, não falta o amparo,
e Estela era filha de Deus.
A estranha doença nervosa
1889, na cidade do Rio de Janeiro,
começava a aparecer as primeiras casas espíritas, ou casas mediúnicas,
porque a doutrina, ainda não havia sido implantada.
O que os espíritos queriam começou em Alagoas,
que foi a libertação dos escravos.
A escravidão foi a maior injustiça cometida nesse solo.
Espíritos estavam encarregados de promover,
sem derramamento de sangue, a liberdade,
através da fraternidade, do amor e da caridade, até os dias de hoje.
Uma mulher trabalhava na casa de um republicano,
lavava, passava, fazia doces em compotas, engomava,
era alegre e sempre cantava em seu mister.
O único problema que tinha, era ir sempre ao portão e
quando seus patrões perguntavam o que ela fazia ali,
ela dizia que achava que suas filhas iam chegar hoje.
Como era sempre dócil, não brigavam com ela nem acreditavam
que tinha quatro filhas, pensavam que era um problema de fantasia,
tratavam, medicavam, tinham cuidados com aquela empregada.
Ela tinha disposição e quando podia, deixava a casa e ia
para aquela que não era o espiritismo, mas que praticava a mediunidade,
assim como muitas religiões no dia de hoje praticam a mediunidade.
Ela acabou sendo presa, e seu patrão, generoso, foi à delegacia soltá-la,
porém não a quis mais em sua casa.
Ela ficou perambulando pelas ruas, sofria de doença nervosa.
O povo lhe dava de comer e ela sempre perguntava esperando
“quando vão devolver meus filhos?”
E acabou morrendo vítima de epidemia dada naquela cidade.
Meu encontro inesquecível com Dona Otávia
1960, pela primeira vez eu pude deixar o abrigo em que vivia
junto com meus instrutores e fui visitar no interior,
uma casa espírita, na condição de aprendiz o que sou até o dia de hoje.
E, ao chegar naquela casa modesta, lá estava a médium,
a receber todos com carinho, sentada na sua cadeira, recebendo seu mentor,
trazendo uma palavra de consolo.
Para meu espanto, ela possuía um óculos que se diz ser “fundo de garrafa” e
com grande dificuldade lia O Evangelho Segundo o Espiritismo e
explicava as lições.
Quando alguém falava sobre mediunidade, ela dizia:
“olha esse livro aqui, se estiver nele está correto,
se não estiver, cuidado, muito cuidado!”.
Então olhei o livro, era O Livro dos Espíritos,
espantei-me, porque eu não pensei que na Terra havia exemplares
desses livros que estudávamos em nosso abrigo.
Essa mulher, essa irmã, possuía quatro filhas,
às quais dedicava muito amor e carinho,
embora elas fossem rebeldes para com ela,
não aceitando muito a doutrina e nem o que ela fazia.
Os instrutores que me acompanhavam deram passe espiritual e
plasmaram quadros espirituais para pacificar o ambiente.
Mandaram-me fazer anotações.
Ao chegar no abrigo, estava super contente,
havia visitado a Terra, para mim era uma grande alegria,
não era privilégio de qualquer aprendiz naquela instituição.
Chorei até. E perguntei em minha anotação, quem era aquela médium?
Por que as filhas zombavam dela?
Por que ela tinha tanto carinho por elas?
Responderam-me: essa médium que você vê aí,
chama-se Otávia, Dona Otávia.
Fiz a segunda pergunta:
Como Dona Otávia desenvolveu tanta fé e com tanta pobreza,
por qual motivo será que todos os médiuns têm que sofrer assim?
Meu instrutor sorriu e disse:
olha, preste atenção, na realidade,
na realidade esta é a Estela da porteira.
Toda a doença nervosa que ela possuía, todo o problema veio com o tempo.
Aí fiquei mais interessada, foi quando um telão veio a nossa frente e
nós vimos a seguinte cena:
Estela jovem foi vendida pelo feitor,
mas com o passar do tempo a fazenda também foi vendida.
Estela perdera o contato com os filhos e odiava o feitor,
porque ela saíra a base de chicotada para outra região,
fora parar em um estado onde ainda existia a escravidão,
em Alagoas a escravidão já estava acabando,
por isso o dono da fazenda resolveu vendê-la e ficou com as crianças,
as filhas de Estela.
Estela fugiu da fazenda com um grupo de pessoas,
outros negros e só tinha em mente um único objetivo:
acabar com a família do feitor.
Quando ela chegou na fazenda, o telão mostrando,
ocorrera a mudança de quase todo mundo, inclusive do feitor,
que fora trabalhar no cacau e deixara ali as filhas de Estela,
com uma outra família de negros, com a qual simpatizava,
dando-lhe sua casa, dizendo:
“pode ficar com vocês, eu não volto mais para cá” e foi embora”.
Estela não sabia disto,
jogou gravetos e capim na casa e a queimou.
Queimou os próprios filhos e a família que estava na casa.
Foi então, quando a casa estava incendiando,
que ela viu as crianças serem retiradas, mas já em chamas,
por aquele pessoal que com elas morava.
O pessoal reconhecera Estela.
Ela tinha cometido um grande equívoco,
tinha matado as quatro filhas queimadas, porque desejava assassinar o feitor.
Desde então a luta de Estela para reencontrar as filhas continuou,
tanto na terra, quanto no espaço.
Foi então que no Rio de Janeiro, ela recebeu todo o amparo,
uma casa, mas ela era doente nervosa,
devido ao raio que a atingiu em sua última encarnação,
mesmo assim o patrão dela a tolerava.
Estela, alma, como dizia o religioso católico, caridoso irmão,
continuou possuída pela idéia fixa de encontrar seus filhos e
acabou morrendo pela peste que atingiu o Rio de Janeiro.
Pobre Estela, mais dolorido e o que ela não sabe e
que vocês estão sabendo, é que aquele republicano era o feitor
que ela queria matar.
Ela morara na casa dele, fora criada por ele.
Ele tratara dela, durante todo o tempo de sua
com seus recursos materiais, mas não pode impedir,
porque naquele tempo não tinha tratamento adequado para
as doenças nervosas e ela acabou na rua,
ainda procurando suas filhas.
Hoje, pela benção de Deus,
porque todos são filhos de Deus, Estela possui quatro filhas,
são as filhas que ela um dia matou.
As filhas até hoje têm ressentimento dela,
têm ressentimento de tudo que ela faz.
O que ela puder fazer para agradar essas filhas, não conseguirá,
somente o tempo, e o evangelho que ela prega é que
poderão apagar a dor que passaram suas filhas no desencarne.
Foi uma dor horrível,
queimaduras transformando o corpo em chamas.
Há muitos outros casos assim,
ninguém explica porque um filho espanca um pai ou uma mãe,
somente a doutrina bendita de Jesus.
Outras pessoas têm aparecido em seus trabalhos,
têm auxiliado, nas confecções de roupa, em distribuição de alimentos e
amparam-na em suas dificuldades, são os benfeitores que intuem,
estão ajudando, estão intuindo para que Estela prossiga na sua obra e
as filhas sintam remorso e procurem entender que mãe elas possuem.
Eu chorei e gostaria de ficar trabalhando junto a Estela,
mas o meu instrutor disse que eu não estava preparada,
que não se pode ser levado a ficar junto do médium,
por sentimentos emocionais apenas,
tem que ser um amparo fraternal,
não só ao médium mas a todos que baterem na casa espírita e
eu não tinha condições ainda de receber a todos com carinho,
porque eu mesma me senti chateada com as filhas da Estela da porteira,
por isso não pude retornar.
E são tantos os casos assim.
Só a caridade vai apagar o crime que a Estela cometeu.
E ela já estava pagando com a enfermidade, porque ela tinha,
ainda, problemas nos nervos. Mas a caridade,
a bondade e o pão que ela dividia,
não permitia mais que ela ficasse pelas ruas esperando as filhas,
não permitia mais que ela se desequilibrasse.
Ela tinha o amparo da espiritualidade.
Nada, nada é por acaso, tem gente que diz:
“médium sofre”, mas sofreria muito mais se não fosse médium.
Vejam vocês, hoje Estela possui a sua casa,
possui o seu salão, o centro, possui o seu trabalho digno,
possui as suas amizades sinceras, porque ela encontrou o evangelho,
pratica e divulga o evangelho, visita os enfermos, visita os doentes,
vai aos hospitais psiquiátricos, e é a eles que Estela adora poder trocar uma,
duas , três palavras e acalmá-los quando estão exaltados.
Quando o telão subiu, meu instrutor disse:
assim como aquele religioso acalmava Estela na porteira,
muitas vezes, policiais trouxeram pessoas amarradas,
ela mandava soltar e acalmava dando o bálsamo e afastando o
que o religioso chamava de possessão, simplesmente no diálogo,
dizendo, venha meu irmão e aí ela repartia o pão que tinha às
portas de sua casa e suas filhas diziam, rindo:
minha mãe é uma bruxa, como todos falavam, é uma bruxa,
uma feiticeira, como que ela consegue fazer isso e os policiais também riam,
isso em 1960, imagine há 100 anos atrás,
como que era possuir dons mediúnicos...
Nunca mais vi a D. Otávia, porém ela não saiu de minha memória.
Em pé na porta do seu centro, recolhendo os aflitos,
os doentes nervosos a qualquer hora do dia e da noite e,
isso me deu certeza de que ela havia encontrado a paz para o seu espírito,
a cura para seu corpo físico e espiritual.
Foi uma longa e dolorosa caminhada até ela abrir
a porta estreita que Jesus nos ensina.
Bendita alma...
Pelo Espírito de Maria Rufina
Um Espírito Aprendiz do Evangelho
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